segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Lógica Informal

Lógica informal
Aires Almeida
Os filósofos procuram resolver problemas. É por isso que apresentam teorias, ideias ou teses. Estas três coisas não são exactamente o mesmo, mas para simplificar iremos falar apenas de teorias. A diferença é a seguinte: ao passo que uma teoria é uma forma completamente articulada de resolver um problema, uma ideia ou uma tese é algo mais vago. Mas o que há de comum entre as ideias, as teorias e as teses é que todas elas procuram resolver problemas.
Ora, sempre houve boas e más teorias, seja qual for o problema que procuram resolver. As teorias dos filósofos não podem constituir excepção. Assim, também há boas e más teorias filosóficas. Mas, como é óbvio, apenas estamos interessados nas boas teorias filosóficas. Por isso se torna crucial saber distinguir as boas das más teorias. Há duas maneiras de avaliarmos teorias, para procurarmos saber se são boas ou más: 1) podemos procurar saber se a teoria resolve o problema que pretendia resolver, e se essa solução é aceitável; 2) podemos procurar saber quais são os argumentos em que essas teorias se apoiam e verificar se tais argumentos constituem boas razões a favor daquilo que nelas se defende. Assim, 2 obriga-nos a pensar deste modo: «Que razões me dá o autor para aceitar a teoria dele?». E 1 obriga-nos a pensar assim: «Se eu aceitar a teoria dele, consigo explicar melhor o que a teoria procurava explicar, ou consigo resolver o problema que a teoria queria resolver? Será que há alternativas melhores a esta teoria?». Ora, tanto no primeiro como no segundo caso, temos de saber avaliar argumentos. Temos de saber se os argumentos que apoiam a teoria são bons ou não, e temos de saber se são bons ou não os argumentos que mostram que a teoria explica o que queria explicar e resolve o problema que queria resolver.
No caso dos filósofos, conhecer os argumentos que sustentam as suas teorias é ainda mais importante do que noutros casos. Isso é assim porque os problemas da filosofia são problemas de carácter conceptual e não empírico. Dificilmente acontece, com base em factos empíricos, mostrar que uma teoria filosófica é verdadeira ou falsa, ao contrário do que se verifica com muitas teorias científicas. Não há factos empíricos que mostrem que Deus existe ou não existe; mas a teoria segundo a qual existe vida em Marte pode ser refutada ou confirmada pelos factos. Daí que o valor de uma teoria filosófica, mais do que qualquer outro tipo de teoria, dependa essencialmente dos argumentos que a sustentam.
Não podemos, pois, saber se uma teoria é boa se não soubermos avaliar a qualidade dos seus argumentos. Esse é, precisamente, o nosso objectivo ao estudar lógica. Eis, então, a nossa primeira pergunta:
O que é um argumento?
Podemos começar por dizer que um argumento é um conjunto de frases. Só que não se trata de um qualquer conjunto de frases. O seguinte conjunto de frases, por exemplo, não é um argumento:
Gosto do Algarve por causa do clima, do Alentejo por causa do silêncio e do Alto Douro por causa da paisagem. E se nas próximas férias desse uma volta pelo país?
Para que um conjunto de frases constitua um argumento tem de haver entre elas uma certa relação, de tal modo que uma, e só uma, se apresente como conclusão e que todas as outras sirvam como razões para obter essa conclusão. Às frases, ou afirmações, que oferecemos como razões chamamos «premissas», podendo haver uma ou mais premissas num argumento; à afirmação que daí obtemos, fazendo apelo às premissas, chamamos, como se viu, «conclusão». Eis um exemplo de um conjunto de frases que é um argumento:
Se os filósofos têm sempre razão, então não vale a pena discutir o que dizem, porque se têm sempre razão não temos nada para criticar e se não temos nada para criticar não vale a pena discutir o que dizem.
Neste conjunto de frases há uma delas que é a conclusão e duas outras que são premissas. Perante um argumento, a primeira coisa a fazer é um trabalho de interpretação, identificando a conclusão e as premissas (ou premissa, caso haja apenas uma).
O que quero defender com o argumento anterior? É claro que estou a defender que «se os filósofos têm sempre razão, então não vale a pena discutir o que dizem». Esta frase, por sinal a primeira, é a conclusão. E que razões adianto para isso? Duas: «se têm sempre razão não temos nada para criticar» e «se não temos nada para criticar não vale a pena discutir o que dizem». Se quisermos, podemos reformular o argumento de modo a tornar as suas premissas e conclusão ainda mais claras. Podemos, por exemplo, destacar em primeiro lugar as suas premissas e depois a conclusão, de modo a exibir claramente cada uma delas:
Se os filósofos têm sempre razão, não temos nada para criticar.
Se não temos nada para criticar, não vale a pena discutir o que dizem.
Logo, se têm sempre razão, não vale a pena discutir o que dizem.
Torna-se, deste modo, mais fácil não apenas identificar premissas e conclusão como também verificar se a conclusão se segue das premissas, isto é, se as premissas apoiam a conclusão. Não podemos, contudo, esperar que os argumentos sejam apresentados sempre de modo a tornar completamente claras as suas premissas e conclusões. Na linguagem comum, e nos textos filosóficos, as premissas e conclusões dos argumentos são frequentemente difíceis de detectar, pois nem sempre se dispõem segundo uma ordem fixa. Por vezes surgem até intercaladas com outras frases que nem sequer fazem parte do argumento. Veja-se o seguinte exemplo:
Para quê discutir o que os filósofos dizem? Não vale a pena discutir o que dizem se não temos nada para criticar e não temos nada para criticar se têm sempre razão. Não me interessa perder tempo assim! Não vale a pena discutir o que dizem se têm sempre razão.
Como se vê, este é ainda o mesmo argumento, só que apresentado de maneira menos acessível. Convém, neste momento, dizer que há, mesmo assim, palavras ou expressões que costumam acompanhar quer as premissas, quer a conclusão e que facilitam a sua identificação. Trata-se de termos e de expressões que muitas vezes anunciam ou introduzem as premissas e a conclusão de um argumento. Termos e expressões como «logo», «daí que», «assim», «portanto» e «por isso» costumam servir para anunciar a conclusão inferida; termos e expressões como «porque», «pois», «uma vez que», «posto que», «tendo em conta que», «em virtude de», «devido a» e «dado que» indicam que se irão oferecer razões (premissas) para concluir algo. Frequentemente as premissas aparecem ligadas entre si por termos como «e», «ora» e «mas», ou por uma vírgula (uma pausa breve, no discurso oral) e também por um ponto final (uma pausa mais longa, no discurso oral). Com esta informação, torna-se relativamente fácil identificar as premissas e conclusão do seguinte argumento:
Tenho estudado lógica, uma vez que se não tivesse estudado lógica não seria bem sucedido em filosofia. Mas eu tenho sido bem sucedido em filosofia.
As premissas são (i) «se não tivesse estudado lógica não seria bem sucedido em filosofia» e (ii) «eu tenho sido bem sucedido em filosofia». A conclusão aparece logo no início e é «tenho estudado lógica». Qualquer pessoa, ainda que não tenha estudado lógica, consegue ver que se trata de um argumento válido, na medida em que intuitivamente se dá conta que aquelas premissas conduzem àquela conclusão. Mas repare-se agora no seguinte argumento:
O Luís Figo já comeu bacalhau porque todos os portugueses já comeram bacalhau.
Temos apenas uma premissa, que é «todos os portugueses já comeram bacalhau», sendo a conclusão «o Luís Figo já comeu bacalhau». Mas será que esta conclusão se segue daquela premissa? Muitos serão os que imediatamente respondem que sim. Outros dirão que não; que aquela premissa, por si só, não constitui uma boa razão para concluir que o Luís Figo já comeu bacalhau. Perguntariam estes: e se o Luís Figo for brasileiro? É preciso que se diga que o Luís Figo é português para, então sim, se poder concluir que ele já comeu bacalhau. Se não acrescentarmos a premissa «o Luís Figo é português», também não poderemos inferir que o Luís Figo já comeu bacalhau. Ao que possivelmente responderiam os primeiros: nem sequer é preciso dizê-lo, todos sabemos que o Luís Figo é português. A verdade é que, sem essa segunda premissa, o argumento não é válido. Assim, a única maneira de reparar o argumento, de forma a torná-lo válido, é introduzir tal premissa. O único cuidado que devemos ter é o de verificar que a premissa não está lá apenas porque quem apresentou o argumento achou desnecessário referir aquilo que lhe parecia ser óbvio para toda a gente. A uma premissa destas chama-se «premissa suprimida» e a um argumento que tem premissas suprimidas chama-se «entimema». Saber isto é importante porque muitas vezes nos deparamos com argumentos com premissas suprimidas e nem todos eles são casos fáceis de identificar. Disso pode depender a nossa decisão de aceitar um argumento como válido ou de o rejeitar como inválido.

http://filosofia.esmtg.pt/11_ano/materiais_apoio/logica1.doc

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